sexta-feira, 13 de março de 2015

Santos Talentos



                                                 

Tenho a felicidade de ter recebido formação cultural das Irmãs Cabrinianas, as filhas de Santa Francisca Xavier Cabrini, Madre Cabrini. Novembro é mês de sua festa e me faz divagar num doce caminho… Como nos faz sentir ricas, as filhas da Santa Madre, um simples olhar para trás, refazendo virtualmente o caminho percorrido nos corredores do Regina Coeli. 

A memória do que ali vivemos é um valioso tesouro a salvo de qualquer risco que correm as riquezas materiais. Tivemos acesso a tesouros de sabedoria. Usamos e abusamos das virtudes teologais: a Fé, Esperança e Caridade. Confortadas por elas passamos grande parte da vida num ambiente regido por outras virtudes: a da Prudência, Justiça, Temperança e Fortaleza, as cardeais. Faz-nos muito bem refrescar a memória procurando no dicionário o significado de cada uma delas.

Um a lembrança tão valiosa, parece ter ficado um pouco esquecida. Precisamos muitíssimo dela agora, em tempos difíceis, em que reina a confusão; em que paradigmas cada vez mais variados disputam a nossa servidão.

Madre Cabrini foi enviada ao Novo Continente com encargo de defender a identidade dos valores cristãos de seu povo (forçado pela necessidade a imigrar) da promiscuidade reinante num mundo totalmente novo. Para isso recebeu de Deus um espírito empreendedor, capaz de detectar oportunidades onde pouquíssimas pessoas poderiam percebê-las. Tal talento foi muitas vezes alvo de deboches de seus contemporâneos que, quando a ouviam manifestar suas ideias e anseios, quase sempre os qualificava de visionários, quiméricos.

Mas, seus anseios eram todos concebidos e gerados n’Aquele que a fortalecia. Por isso jamais poderiam ser abortados. Sua alma era alimentada pela graça que, plenificando de luzes a grande inteligência, dava condições de realizações ao seu espírito ativo: a graça da contemplação. Toda a sua atividade era consequência da contemplação. Estava continuamente apaixonada pelo Amor e queria dar a Ele aquilo que Ele sempre almeja: almas capazes de amar.

Por isso, e só por isso, foi capaz de, em tempos de poucos recursos tecnológicos, “abraçar” o planeta construindo escolas, hospitais, orfanatos… o interesse era comum a todos os empreendimentos: aproximar as almas de Jesus, o Sumo Bem. NEle elas estariam plenamente saciadas em todos os aspectos porque quem tem Deus não em carência, absolutamente, de nada.

Rio Pomba, MG., é especialmente marcada pelo carisma de Madre Cabrini. Nos tempos de infância e juventude dos de minha geração podia-se senti-lo com maior intensidade. Ali suas filhas fundaram um “educandário”; uma fonte de onde jorrava a graça de Deus aos borbotões. Para as educandas, que recebiam a mais esmerada educação (antigamente só meninas e moças estudavam lá), suas famílias  e também para todos os alunos das escolas públicas que recebiam as bênçãos cabrinianas através das professoras mais habilitadas e dedicadas, todas formadas no Regina Coeli.

 Quem se lembra das crianças da catequese, que enchiam o jardim da praça aos sábados à tarde? Atraídas pelas delícias das brincadeiras de antes e pela doçura das catequistas durante as aulas. Todas elas, crianças e catequistas, eram movidas pelo entusiasmo enérgico e amoroso das “Madres do Colégio”. Varias gerações de rio-pombenses sedimentaram seus valores espirituais assim, e incluindo o encerramento, com o Credo cantado por todos juntos, a plenos pulmões, quase gritado. Quem, da minha geração, não sabe cantar o Credo de cor?

A boa semente do amor ao Sagrado Coração de Jesus, difundida pela Madre Cabrini, encontrava solo propício na grande maioria das almas rio-pombenses. Tanto nas que se enlevavam no conhecimento humano e nas artes (especialmente música e literatura) ensinados e valorizados no colégio, como nas almas mais simples, mas riquíssimas em sabedoria que dirigiam e participavam das diversas irmandades, tão numerosas.

Em Rio Pomba, quem mais assimilou o espírito cabriniano foi uma moça humilde e simples, paralítica, que morava na roça e jamais vinha à cidade ou a qualquer outra parte. Estudo, quase nenhum; humanamente falando, não tinha nenhum atrativo. No entanto, com todas essas desvantagens, deixou-nos um vastíssimo patrimônio espiritual. A Serva de Deus Floripes Dornelas de Jesus, a Lola. 

O tesouro espiritual amealhado por Lola durante tantos anos parece não ter muito valor aos olhos dos tempos de hoje, muito parecido com o que viveu Madre Cabrini: rico em promiscuidade, miscelânea de valores, que não há cristão verdadeiro que o aguente, sem sofrer muito. 

Esse patrimônio espiritual já teria sido abafado pelos valores novos, se Lola não tivesse recebido o mesmo espírito empreendedor da Madre Cabrini, para, apesar de todos os seus limites, deixar também um grande patrimônio material consignado em testamento cheio de sabedoria para dar continuidade à fonte de misericórdia e amor que o Coração de Jesus sempre fez jorrar do seu humilde quartinho, onde Ele era adorado tanto quanto precisa ser, para o nosso bem.

Santa Madre Cabrini e a Serva de Deus Floripes Dornelas de Jesus, Lola, duas pessoas tão diferentes que atingiram o mais alto grau de realização humana. Graças à visão contemplativa, foram total e continuamente conduzidas pelo Autor de suas vidas; viram suas potencialidades mais remotas produzirem frutos sequer imagináveis. Essa é uma característica própria dos fortes, que conduzidos por Deus não se deixam aprisionar por nenhuma ideia ou vontade puramente humana. A isto a Igreja chama santidade.

Nós, herdeiros da Santa Madre e da Lola somos depositários fiéis dos recursos conseguidos por elas. Precisamos agora de outro talento: um olhar de arqueólogos capazes de reconhecer tesouros aonde a maioria das pessoas do mundo de hoje vêm apenas velharias, culturais e materiais. Com certeza, o Sagrado Coração de Jesus nos dará esse olhar, precisamos muito, nós e o mundo todo, continuar a tirar proveito desse tesouro!

Que Deus nos abençoe! 


Giselle Neves Moreira de Aguiar


Texto escrito em 2011, ou 2012.






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