E eu caminhava por entre meu
povo. Quando nenhum elemento estável liga as gerações umas às outras, a troca
deixa de ser possível e o tempo passa a correr tão inútil como a areia de uma
ampulheta. Esta morada ainda não é bastante ampla, nem bastante duradoura a
obra por que ela se troca – dizia eu para mim.
E o pensamento fugia-me para os faraós, que mandaram
edificar grandes mausoléus indestrutíveis e angulosos, navios em rota no oceano
de um tempo que os consome lentamente em poeira. Vinham-me à lembrança as
grandes areias virgens das caravanas,
donde uma vez por outra, emerge um templo antigo, meio sepultado e como que
desmastreado já pela invisível tempestade azul, meio vagando mas condenado à
completo naufrágio.
E eu pensava: este templo ainda não é bastante duradouro,
apesar do eu carregamento de ornatos e de objetos preciosos que custaram longas
vidas humanas.
Não importa que o enriqueçam esse mel de tantas gerações,
essas filigranas de ouro, esses dourados sacerdotais por que se trocaram
lentamente velhos artesãos, e essas toalhas bordadas, onde doces velhinhas
queimaram lentamente os olhos ao longo da vida, verdadeira cauda real que, apesar
de encarquilhadas, tossegosas, sacudidas já pela morte, elas deixaram atrás de
si.
Autêntica campina que
se desenrola... E aqueles que nossos dias as veem dizem de si para
si:"Que bonito é este bordado! Que lindo..." E venho a descobrir que
estas velhinhas fiaram a seda nas metamorfoses delas próprias. Não se sabiam
tão prodigiosas.
É preciso
construir o caixão grande para receber o que deles restar. É o veículo para os
levar. Porque eu respeito em primeiro lugar o que dura mais que os homens. E
salvo assim o sentido de suas trocas. E constituo o grande tabernáculo, ao qual eles confiam
tudo o que são.
Ainda hoje encontro esses vagarosos navios no deserto. Ainda
levam a termo as suas viagens. E aprendi uma coisa que é essencial: urge
construir primeiro o navio e aparelhar a caravana e construir o templo que dura
mais que o homem.
Porquanto esta casa
deve servir à vida e não outra coisa. E
eles chamam útil a casa que não veem por si própria, mas apenas pela comodidade
que proporciona. A casa servindo-os e eles enriquecendo. Mas morrem sem nada,
porque não deixaram deles nem a toalha, nem o dourado sacerdotal ao abrigo de
um navio de pedra. Pediram-lhe que se trocassem, e em vez disso eles quiseram
ser servidos. E, quando se vão embora, nada fica atrás deles.
Saint-Exupéry- Cidadela- Nova Fronteira - 1982
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