quarta-feira, 20 de junho de 2012

Valores humanos


E eu caminhava por entre meu povo. Quando nenhum elemento estável liga as gerações umas às outras, a troca deixa de ser possível e o tempo passa a correr tão inútil como a areia de uma ampulheta. Esta morada ainda não é bastante ampla, nem bastante duradoura a obra por que ela se troca – dizia eu para mim.
E o pensamento fugia-me para os faraós, que mandaram edificar grandes mausoléus indestrutíveis e angulosos, navios em rota no oceano de um tempo que os consome lentamente em poeira. Vinham-me à lembrança as grandes areias  virgens das caravanas, donde uma vez por outra, emerge um templo antigo, meio sepultado e como que desmastreado já pela invisível tempestade azul, meio vagando mas condenado à completo naufrágio.

E eu pensava: este templo ainda não é bastante duradouro, apesar do eu carregamento de ornatos e de objetos preciosos que custaram longas vidas humanas.
Não importa que o enriqueçam esse mel de tantas gerações, essas filigranas de ouro, esses dourados sacerdotais por que se trocaram lentamente velhos artesãos, e essas toalhas bordadas, onde doces velhinhas queimaram lentamente os olhos ao longo da vida, verdadeira cauda real que, apesar de encarquilhadas, tossegosas, sacudidas já pela morte, elas deixaram atrás de si.

Autêntica campina que  se desenrola... E aqueles que nossos dias as veem dizem de si para si:"Que bonito é este bordado! Que lindo..." E venho a descobrir que estas velhinhas fiaram a seda nas metamorfoses delas próprias. Não se sabiam tão prodigiosas.
           
É preciso construir o caixão grande para receber o que deles restar. É o veículo para os levar. Porque eu respeito em primeiro lugar o que dura mais que os homens. E salvo assim o sentido de suas trocas. E constituo  o grande tabernáculo, ao qual eles confiam tudo o que são.
Ainda hoje encontro esses vagarosos navios no deserto. Ainda levam a termo as suas viagens. E aprendi uma coisa que é essencial: urge construir primeiro o navio e aparelhar a caravana e construir o templo que dura mais que o homem.


E então é vê-los trocarem-se  alegremente por coisas mais valiosas do que eles próprios. E nascem os pintores, os escultores, os gravadores e os cinzeladores. Mas não espero nada do homem, se ele só trabalhar para sua própria vida e não para a eternidade. Porque então seria inútil que eu lhes ensinasse a arquitetura e as sua regras. Se constroem casas para nelas viverem, de que serve trocarem suas vidas por casas?

Porquanto  esta casa deve servir  à vida e não outra coisa. E eles chamam útil a casa que não veem por si própria, mas apenas pela comodidade que proporciona. A casa servindo-os e eles enriquecendo. Mas morrem sem nada, porque não deixaram deles nem a toalha, nem o dourado sacerdotal ao abrigo de um navio de pedra. Pediram-lhe que se trocassem, e em vez disso eles quiseram ser servidos. E, quando se vão embora, nada fica atrás deles.
                                         
                                               Saint-Exupéry- Cidadela- Nova Fronteira - 1982






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