segunda-feira, 18 de junho de 2012

Identidade

                                                                                                    - Saint-Exupéry -              

A catedral não é da ordem das pedras, mas do arquiteto. Foi ele que deu a semente que absorve as pedras. É preciso que eu seja, e que meu poema funde a tendência para Deus. Quer o favor do povo, quer as sementes do entreposto, quer as atitudes do opulento de ventre contribuirão nessa altura para a glória de Deus.

Não julgues que eu me interesso pela salvação do entreposto, só por ele ter um nome. Longe de mim proteger o mau cheiro do homem do esgoto em si mesmo. O homem dos esgotos não passa de via, veículo, transporte. Não julgues que eu tomo a peito o ódio dos materiais contra seja o que for que se distinga deles.

O meu povo não passa de via, veículo e transporte. Quem se indignará contra mim, se eu afinal me mantenho surdo quer à cantilena e à lisonja dos primeiros, quer ao ódio e aos aplausos dos segundos, se o que me importa é servir a Deus através de?



Na encosta desta montanha, irreparável exílio onde me sinto mais solitário que o javali nas cavernas e mais imóvel que a árvore cuja única atividade consiste em ir transformando calmamente o cascalho em punhado de flores que entregará ao vento depois de reduzidas a sementes – e assim se expande em luz o húmus cego -, alheio aos falsos litígios sem ser nem por estes contra aqueles outros, nem pelos segundos contra os primeiros, superior aos clãs, aos partidos, às facções, eu luto na verdade pela árvore contra os elementos da árvore em nome da árvore.
              – Antoine de Saint-Exupéry – Cidadela- Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982, pg 405-





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