terça-feira, 24 de novembro de 2015

Vatileaks: mártires e heróis







Há mais de 60 anos milito na Igreja Católica. Sinto que já nasci militante. A atmosfera que respirei ao nascer era toda católica, há gerações. Ao longo da infância e juventude convivi com pessoas muito esclarecidas na fé, de todos os perfis, desde analfabetos a brilhantes eruditos. O esclarecimento na fé católica independe do grau de escolaridade da pessoa.  Nela, a vivência e a cultura acontecem em termos de sabedoria. 

Quanto mais velha fico, mais vontade de crescer na fé sinto. O convívio com outras visões de mundo evidencia, mais e mais, a riqueza de viver na, e da, fé na Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Sei que tal declaração pode até escandalizar. Mas é totalmente verdadeira.

O amor à notícia também me chegou na infância; pelos jornaizinhos infantis das edições de domingo. Na adolescência fui para o "Caderno 2”, das matérias sobre moda para todas as de arte, e delas ao encanto pelas crônicas do cotidiano.  Mais tarde  veio o interesse pela política externa. Torcia por Golda Meir como se aquela guerra no Oriente Médio fosse um campeonato.  Aprendi com  minha irmã mais velha  a ter  carinho pelo povo judeu. Ela contava os detalhes dos horrores passados por eles, sob Hitler. Também ela era uma devoradora de jornais.

Aos 55 anos comecei um curso de Jornalismo como quem cai nele de paraquedas. Jamais imaginei  escrever  profissionalmente, consumir sempre foi muito melhor.  O susto que levei foi muito grande. Dizia aos colegas e professores, em tom de brincadeira, a pura verdade: minha vida já passou; agora ganhei mais uma vida no game, e vou brincar. Só que o jogo  em que caí era muito duro, de um grau de violência quase insuportável. Um jogo em que a Verdade era a vítima, o alvo a ser caçado e destruído. 

Constatei que o mal, tão dolorosamente percebido já no meu próprio ambiente religioso, era na verdade, muitíssimo mais amplo. A anomalia tencionava ser padrão, e para isso usava armas produzidas pela inteligência humana em todos os segmentos, especialmente o da Comunicação Social. O que descobria levava a crer que, em grau de maldade para com a espécie humana, o que os judeus passaram na Alemanha Nazista era apenas o trailer de um  filme de terror.

Jamais poderia imaginar que a civilização humana pudesse retroceder. Pelo repertório adquirido pelas minha leituras, filmes e séries de TV, imaginava que, pouco a pouco, as barreiras culturais cairiam diante do reconhecimento das virtudes alheias, vindo da cada vez maior capacidade de avaliar, permitida pelos novos conhecimentos e suas implicações nas vidas de todas as pessoas. Considerava todas as divisões vindas do apego a fatores externos à alma humana, ao tangível, coisas de trogloditas. Para o cristão católico só a alma invisível e imortal tem valor em si mesma, e esse é tão grande que faz os bens periféricos, e os relativos, a ela adquirirem valor, por causa dela, e se tornam sagrados por serem relativos a ela. 

E por que tanto valor assim tem a alma humana? Por um único e simples motivo: ela  é uma criatura especial de Deus, que a fez à sua imagem e semelhança; e por ser  Ele todo poderoso e onipresente  pode se dar ao luxo de ver cada criatura sua como se fosse a única. Portanto, qualquer ofensa ou dor causada a qualquer ser humano é infinitamente mais sentida por Deus, assim como qualquer alegria ou conforto proporcionado à mais humilde das almas. Só por isso.

A concepção cristã de jornalismo se dá no dever profissional de proclamar a Verdade. Nada poderia ser mais gratificante. O serviço do jornalista  é expor a Verdade  para que todos a  conheçam. Entre os que recebem a noticia certamente haverá alguém que possa fazer algo para, pelo menos, amenizar a dor humana que está sempre por trás de uma triste ou má notícia.  Por outro lado, uma boa novidade tem o condão de unir milhares de mentes  e corações numa  comemoração.

Os fatos publicados demarcam o longo caminho de um povo, e servem de indicação para a definição se ele deve ou não, ter os rumos modificados. O jornalista está para o povo assim como o médico para o paciente: da fidelidade das suas indicações depende a saúde coletiva de um povo, como a do paciente depende das do médico.

Os chamados  escândalos do Vatileaks (1 e 2) interessam-me de duas maneiras: como católica ardorosa e como jornalista.  Como católica e interessada, acompanho com olhar de jornalista os acontecimentos dos últimos tempos na nossa Igreja. Vejo coisas que a  grande maioria das pessoas não percebem. Sempre horrores aconteceram na história da Igreja, mas sempre no campo dos pecados pessoais. Nunca  a audácia chegou ao ponto de querer modificar a sua crença e a sua cultura como tem acontecido nos últimos tempos. 

Falando do que observo com olhos de sexagenária, formada no que há de melhor na Igreja, alimentada espiritual e intelectualmente pelos santos doutores, e  considerando o que aprendi através do que era dito, e mais ainda do que não era dito, no curso de Comunicação Social, afirmo  que recursos sórdidos de comunicação para manipulação de mentes e corações têm sido largamente aplicados  em  comunidades católicas da América Latina; de maneira mais contundente nas pequenas cidades do interior; numa delas eu havia vivido 11anos antes de recomeçar a estudar. 

O estudo do Jornalismo jogou luz sobre os fatos que eu havia dolorosamente constatado, e no entanto não tinha meios para compreendê-los. 

Por tal razão, acredito que seja pequeno o número de pessoas católicas que apreendem o que significam esses casos denominados Vatileaks, que associam o Vaticano ao Wikileaks de Julian Assange por divulgarem  fatos que comprometem pessoas poderosas à revelia delas. 

Vejo  como  mártires as pessoas que vazaram as notícia: o mordomo do Papa Bento XVI, Paolo Gabriele no primeiro caso, o padre Lúcio Vallejo e a agente de  relações  públicas Francesca Chaouqui e Nicola Maio, no segundo caso. Deduzo que elas tiveram a coragem de tornar públicos tantos horrores por verdadeiro amor à Igreja e aos Sumos Pontífices, sob cuja autoridade aconteciam tais fatos que, não tornados públicos continuariam a acontecer e a fortalecer os inimigos de Deus e da Igreja, os que se dão a essas práticas como se coisas boas fossem.  Ainda  teriam  as autoridades fortalecidas pela prevalência de seus desmandos. Os que entregaram as informações à imprensa agiram como se deve, diante de um furúnculo: fazendo expelir um vulcão de nojenta podridão enquanto dá alívio, e posterior cura, à pessoa afetada. Aqui, o próprio corpo do Cristo, a Igreja,  formado por todos nós católicos, do mundo todo.

Tenho como heróis os jornalistas, Gianluigi Nuzzi e Emiliano Fittipaldi que, sem medo, as publicaram, e pagam o preço  por  divulgar a verdade de interesse da população humana. Eles fizeram, com seu trabalho, um serviço inestimável à Igreja e aos Papas Bento XVI e Francisco. 

O primeiro Vatileaks parece ter sido o impulso de Deus para mostrar ao seu fiel servo Bento XVI, o caminho da renúncia. Ele, enfraquecido pela idade e pela audácia dos que queriam usurpar a Igreja de Cristo, teve a revelação e a coragem de tomar uma atitude humana raríssima em todos os tempos: renunciar ao poder, em favor da Barca de Pedro. Como São Miguel Arcanjo deixou o caminho livre, como que dizendo aos inimigos a Igreja: enfrentem a Deus. E Deus mandou Francisco, também tão combatido pelos mesmos, mas que também, goza do auxílio de pessoas capazes de  atitudes que só quem cultiva o amor de Deus, e em consequência dele à Sua Igreja, é capaz: gestos que sacrificam valores importantes aos olhos do mundo material, ainda que sejam intangíveis.   Eles foram capazes de perder a boa figura moral e aceitar cair no desabono dos que consideram bons.  Tudo  por amor ao Reino do Cristo, que é, em si mesmo, a própria VERDADE.

Há mais de dois mil anos tem sido assim. Com toda a indigência dos protagonistas humanos, a Igreja fundada por Jesus Cristo tem enfrentado os mais diversos inimigos  internos e externos, mas os que verdadeiramente o desejam, continuam podendo seguir  firme no mesmo Caminho, na Verdade da Vida. Esses episódios dos Vatileaks apenas  o confirmam. 

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