Antes de ler este artigo, escrito em março de 2013, seria bom , para se contextualizar, ver uma reportagem que fala da visita da blogueria cubana Yoni Sánchez ao Brasil em fevereiro de 2013.
A visita da blogueira
cubana Yaoni Sánchez ao nosso país remeteu-me a um passado não muito recente.
Lembrei-me de Everton, filho de minha
amiga Lúcia, moradores do interior de Minas. Ele tinha cerca de sete anos
quando os “Mamonas Assassinas” estouraram como sucesso. A atenção de Everton
foi totalmente envolvida pela ideia de “shopim centis” como uma música deles falava. Em sua imaginação o centro de compras era a
maravilha das maravilhas e ele queria muito conhecer um. Seus pais diziam que
era somente um conjunto de lojas, mas ele não acreditava. Para ele o Shopping era
o Paraíso.
Diante da quase
obcessão do menino, que não falava em outra coisa, Lúcia e José, seu marido,
fizeram uma viagem à Juiz de Fora para que Everton conhecesse e se deliciasse
no Shopping.
A chegada foi
emocionante, aquele ambiente enorme, as escadas rolantes e as lojas de
brinquedos encheram os olhos do menino, mas o passar do tempo trouxe o enfastio
e o pedido para ir embora. Seus pais, aproveitando a ocasião, queriam fazer
algumas compras necessárias à casa e ele teve que ficar esperando os pais
tratarem de assuntos que a ele não
interessava. A partir daí, o
menino viu que no fundo, o “shopim centis” descrito de maneira tão atraente
pelos “Mamonas” era somente um “monte de lojas, tudo junto”, contava depois.
O mesmo espírito que movia Everton movia também
os jovens que se manifestaram agressivamente contra a pessoa de Yaoni. Tem sido passado para eles, na puberdade da
vida política, que a vida em Cuba é esse paraíso do socialismo, onde todos têm
assistência médica e educação de primeira categoria. Assim alguns deles,
movidos pelos hormônios e insuflados por ideias e chavões preconcebidos, trataram
a blogueira, que apenas posta a crônica da vida diária da Ilha, como se fosse
uma herege, merecedora de ser queimada na fogueira da Santa Inquisição do
Ideário Marxista.
No entanto,
lembro-me também de que, no governo do então Presidente Sarney, vivíamos aqui no
Brasil uma crise de abastecimento.
Reclamávamos muito porque não encontrávamos nos supermercados todas as
variedades dos produtos que desejávamos.
Meu marido,
agrônomo, trabalhava numa multinacional de origem francesa e foi incumbido de
fazer uma visita à Ilha para ajudar no aumento da produção de cana de açúcar.
Circulou pelo interior da ilha, convivendo com os agricultores, comia com eles
que se alegravam com a presença dele, motivo de melhor refeição.
Seu cicerone,
também agrônomo, ficou extasiado ao levá-lo a uma “Tienda”, um tipo de
hipermercado, onde somente estrangeiros podiam
entrar, pois era preciso ter dólares para comprar lá, e cubano pego com dólar
era considerado criminoso. Ele não acreditava que em Cuba existisse tudo
aquilo. Levou-o depois onde pessoas como ele podiam fazer compras; comprou uma
lata de leite condensado e um par de sapatos de mulher, era o que havia
disponível, era tudo o que havia na prateleira, naquele dia da semana em que
era autorizado à comprar. Depois pediu a meu marido que comprasse, na Tienda,
uma garrafa de coca-cola para seu filho, de 14 anos que sempre desejou muito
consumir uma.
Caminhando à
tardinha pelo centro de Havana, as crianças, vendo um estrangeiro, corriam para
ele pedindo balas, artigo de luxo para elas. Vendo uma fila enorme àquela hora,
foi informado que cada integrante dela teria o direito de comprar um pedaço de
pizza.
Meu marido, um
homem não muito sensível, algum tempo depois da sua chegada, não conseguia se
sentir alegre, como de hábito, às refeições em família. Sentia um nó na
garganta e seus olhos ficavam marejados. Ele também, por um bom tempo, não
conseguia nos falar de outra coisa que não fosse Cuba...
Giselle Aguiar
Publicado no "Diário de Sorocaba de 03/03/2013
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