A edição de domingo, 03/02/2013 do "Estado de São Paulo" ilustra bem:
Num artigo assinado, "Pessoas e estórias", o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz, com suas próprias palavras, que o objetivo principal que o conduziu à carreira política foi: "maior igualdade, o meio para isso seria eliminar a apropriação privada dos meios de produção, tudo mais era secundário, mesmo a liberdade". Mais à frente ele se admira lamentosamente: "quem ainda pensa em "controle coletivo" dos meios de produção?".
Sem que estejam explicitas, em tais afirmações pode-se distinguir um espírito no mínimo antidemocrático, quando a memória nos mostra fatos muito conhecidos em que esse "controle coletivo” é sempre exercido por meia dúzia de pessoas que escolhem tudo o que o povo deve aprovar e gostar, portanto, não combina com democracia. Muito menos a expressão "eliminar a apropriação privada", que vem sempre associada à usurpação de bens e/ou de direitos. O mais próximo do pensamento democrático de um governante seria criar condições para que todos pudessem ascender ao cargo de produtor de bens, segundo as próprias aptidões.
Algumas páginas adiante, Julian Assange, o fundador do site WikiLeaks, asilado na embaixada do Equador em Londres, numa entrevista concedida ao jornal, considera um perigo os dados pessoais das pessoas serem arquivados pelo Google e pelo Facebook; eles podem ser consultados pelas agências de inteligência dos EUA. Quem diz isso é a mesma pessoa que divulga dados alheios obtidos de maneira considerada ilegal.
Um político, que se mostra como defensor da democracia, confessando suas ideias totalitárias e quem publica dados obtidos ilegalmente, muitas vezes graças à habilidade de hackers invadindo sites importantes, fazendo pose de defensor do sigilo de dados disponibilizados pelas próprias pessoas. Tudo isso pode ser lido na mesma edição de um jornal, graças a um simples exercício de lógica, observando a coerência. Para um bom leitor de jornal, as próprias pessoas dizem muito mais do que querem falar.
Na última semana de janeiro o Papa Bento XVI incentivou os católicos a frequentarem as redes sociais. Segundo ele, "estes espaços, quando se valorizam bem e de maneira equilibrada, favorecem formas de diálogo e de debate que, conduzidas com respeito, salvaguarda da intimidade, responsabilidade e interesse pela verdade, podem reforçar os laços de unidade entre as pessoas e promover eficazmente a harmonia da família humana". Ele próprio abriu uma conta no Twitter.
Este pareceria ser mais um paradoxo a quem está habituado a ver a imagem da Igreja
Católica associada ao obscurantismo em muitos artigos opinativos. Mas o raciocínio atento pode perceber aí, também implícita, a mensagem transmitida há mais de dois milênios entre os católicos - “Porque não há nada oculto que não venha a descobrir-se, e nada há escondido que não venha a ser conhecido. Pois o que dissestes às escuras será dito à luz; e o que falastes aos ouvido será publicado de cima dos telhados.” (Luc, 13, 2-3) -, continua válida e atualíssima nos tempos da internet, o tempo da transparência.
Fontes citadas:
Pessoas
e estórias : Fernando Henrique Cardoso: Pessoas e estórias :
Julian
Assange : “É bom que os governos tenham medo das pessoas”
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