sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Deus é uma criança



 Dom Eduardo Benes Sales Rodrigues
Arcebispo Metropolitano de Sorocaba, 


Em entrevista na TV, Hitchens, já falecido, proclamou com
intenso ardor, filtrado pela frieza de uma razão “iluminada”,
sua fé nos valores do iluminismo filosófico, reforçado por
posturas “científicas”que  desprezam  as  questões  meta-empíricas.
Ele não era propriamente um cientista, mas  valeu-se  de  posições
ateísticas, como as de Dawkins, por exemplo, - este escreveu
“Deus, um Delírio” -,para fundamentar seu ateísmo militante.
Dawkins defende que a fé religiosa nãoé apenas uma ilusão
inofensiva, mas um delírio nocivo do qual a sociedade precisa
ser curada.
Hitchens afirma que a livre expressão e a investigação científica
devem substituir a religião como um caminho seguro para uma
ética racional e parapromover a civilização humana. A humanidade
ainda se vale muito pouco das luzes da razão.
Hitchens procura desqualificar o trabalho da bem-aventurada
Tereza de Calcutá como também de outros líderes religiosos,
como Martin Luther King.

Já Paul Davies, doutor em física, professor de renome nas
universidades de Cambridge, de Londres e de Adelaide na
Austrália, autor de muitos livros sobre física, tem uma posição
diametralmente oposta. Em seu livro “Deus e a nova física”,
 publicado em inglês em 1983, afirma: “A ciência só é possível
porque vivemos num universo ordenado, que se conforma com
leis matemáticas simples.
A tarefa dos cientistas é estudar, catalogar e relatar a
ordenação da natureza, não indagar a sua origem.
Mas os teólogos têm argumentado, desde há muito, que a ordem
do mundo físico é uma prova da existência de Deus.
 Se isso assim for, então a ciência e a religião adquirem
um objetivo comum que é revelar a obra de Deus”.
É dele a afirmação: “pode parecer estranho, porém, em
minha opinião, a ciência  oferece  umcaminho mais seguro
para Deus que areligião”.
E ainda: “Não posso conceber um autêntico cientista sem essa fé
profunda.

A situação pode ser expressa por uma imagem:
a ciência sem religião é aleijada, a religião sem ciência é cega”.
Prezado(a) leitor(a), há cientistas que afirmam ser a ciência
um caminho para Deus e há cientistas que consideram a afirmação
da existência de Deus uma abdicação da razão diante do desafio de
progredir na explicação do universo e na solução dos problemas
que afetam a humanidade.
Há aqueles que, com Hitchens, julgam que a religião não passa
de uma ideologia que acaba por justificar a injustiça ea violência.
Surge então a pergunta: afinal crer ou negar Deus é uma conclusão
da razão, filosófica ou científica? Ou será uma experiência anterior
ao esforço filosófico ou científico que só depois se tenta justificar
racionalmente.
Somos da convicção de que as raízes-fonte da crença ou da descrença
são anteriores ao processo da razão pensante, assim como a existência
- a experiência vivida - precedem a consciência.

Pode se colocar pergunta semelhante sobre o fenômeno universal da
experiência amorosa.
O amor não é uma decisão consequente a um esforço racional de pensar
a natureza humana e descobri-la orientada para o outro.
O amor emerge como uma dimensão profunda do ser humano.
Depois ele pode e deve ser pensado, inclusive para determinar-lhe
a natureza e desmascarar suas formas doentias.
Assim também a crença em Deus: ela emerge das
profundezas do ser humano como manifestação do desejo
de uma Verdade definitiva, fundamento do próprio existir.
Por isso um ateísmo militante será sempre uma
luta contra uma “doença” / “delírio”, - a
mais profunda aspiração do ser humano –
incurável da natureza humana.
Naturalmente muitas razões se poderão oferecer às pessoas para
que se oponham à fé em Deus.
Assim como o amor, a mais bela expressão da natureza humana,
ao se corromper produz loucuras tais como ciúmes seguidos de
crimes, separações dolorosas de casais, abandono de filhos,etc...,
assim Deus pode ser invocado para apadrinhar intolerância, fanatismo
e guerras.
Mas não é o amor que é ruim, péssima é sua corrupção.
Pois bem, quem é Deus e em que consiste o amor é o coração do
Novo Testamento.
Deus é amor e o amor se manifestou:
Deus se fez um de nós para salvar-nos da corrupção de nossa dignidade,
fazendo-nos filhos seus.
Nossa vida tem sentido: superar a morte.
Amar como Cristo amou é o caminho de salvação da humanidade
para esta vida e para a eternidade.
Letrado ou iletrado, todo ser humano deseja a plenitude da vida.
Na Epístola aos Hebreus existe um versículo que diz que Jesus
veio para nos libertar da angústia da morte: “libertar os
que passaram a vida em estado de servidão, pelo temor da morte” (Hb 2,15).

Prezado(a)  leitor(a), não lute contra seu
desejo de Deus.
Escute um dos homes mais inteligentes da história do pensamento:
“Ó Deus, fizestes-nos para vós e nosso coração está inquieto enquanto.
não repousa em vós” (Agostinho).
Não tenha medo de Deus, Ele é apenas uma criança pobre, que,
de longe, sábios vieram adorar.

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