“E eu pensava: este templo ainda
não é bastante duradouro, apesar do seu carregamento de ornatos e de objetos
preciosos que custaram longas vidas humanas. Não importa que o enriqueçam esse
mel de tantas gerações, essas filigranas de ouro, esses dourados sacerdotais
por que se trocaram lentamente velhos artesãos, e essas toalhas bordadas, onde
doces velhinhas (...) queimaram lentamente os olhos ao longo da vida,
verdadeira cauda real que deixaram atrás
de si.
(...) E aqueles que nos nossos
dias as veem dizem de si para si: "Que bonito é este bordado! Que lindo..."
E venho a descobrir que estas velhinhas fiaram a seda nas metamorfoses delas
próprias. “Não se sabiam tão prodigiosas.”
(...) E então é
vê-los trocarem-se alegremente por coisas mais valiosas do que eles
próprios. E nascem os pintores, os escultores, os gravadores e o s cinzeladores.
”- Saint-Exupéry, no livro Cidadela –
Paramentos latino-americanos antigos |
Detalhes do fino trabalho de bordado com fios de ouro |
Uma
visita à exposição “Vestes Sagradas” que acontece no Espaço São Bento neste
mês, diariamente de 10 às 19 horas, e que reúne preciosos paramentos litúrgicos
da América Latina dos séculos XVII ao XIX fez-me lembrar esse trecho de livro.
Vivemos
um tempo cheio de novidades, mas para que continuemos a dar valor às novas descobertas
é preciso “re-conhecer” o trabalho e a dedicação dos que nos antecederam no
tempo e na vida. Os passos que deram para
que desfrutemos hoje de tanto conforto e comodidade.
Para
chegar à automação de uma linha montagem é preciso que cada peça e cada detalhe
tenham sido repetidos muitas vezes até alguém inventar um novo jeito de tudo
acontecer de maneira mais fácil e mais rápida. Antes da produção em série é
preciso que antes tenha acontecido algum tipo de arte. Por isso, uma peça única, feita à mão, guarda
grande distância das que são feitas em série porque traz em si muito de humanidade.
Observar
cada rico detalhe de cada trabalho ali apresentado, considerar as dificuldades
que se tinha naquele tempo, quando tudo era feito à mão, a contínua descoberta
de técnicas, modos e maneiras de alcançar o nível mais próximo da Perfeição
traduzido num “trabalho manual” conduz à indagação:
O
que movia tais pessoas com esse intuito de produzir o belo, o mais perfeito
possível, para isso gastando o tempo e se desgastando sem perceber? O trocar-se
por algo maior e melhor.
Já
há muito ouvimos que os humanos existem como os minerais, respiram como os
vegetais, se reproduzem como os animais, mas só eles são capazes de arquitetar,
inventar e criar, propriedades que fazem deles imagem e semelhança de Deus.
Os
trabalhos expostos este mês no Espaço São Bento lembram bem que, assim como os
outros irmãos de criação, para ter real valor é preciso estar continuamente se
transformando na espécie de maior complexidade e amplitude. Assim, o mineral
consumido se transforma em vegetal, que consumido se transforma em animal, que
consumido, se transforma em humano, que se consumindo por deliberação pessoal, na
produção de algo de maior valor que ele próprio, pode se transformar em Eterno.