Entra-se no Evangelho por duas portas:
a da história (isto é, da crítica) e a da fé.
Aquele
que penetra no Evangelho pela porta da crítica histórica, dali sairá com um
cadáver nos braços, após ter encontrado uma objeção a cada linha e uma dúvida a
cada palavra. Compilado muito depois dos acontecimentos com o intuito de
instruir os simples, mesclado de mitologia e desse "maravilhoso" que
causa horror aos teólogos da moda e aos peritos em contabilidade, o texto lhe
parecerá pouco plausível no princípio e discutível depois, e dele só extrairá
uma moral árdua e bastante original, embora dela se encontrem antecipações nos
essênios, nos mesopotâmios, nos chineses, egípcios ou gregos. [...]
Aquele
que entra no Evangelho pela porta da fé, pelo contrário, sabe – ou vislumbra-
que não existem limites para a grandeza de Deus, e este é certamente o ponto
mais essencial a ter em conta quando nos propomos viver, ao longo de algumas
páginas, na intimidade de Cristo. [...]
Quem entra no
Evangelho pela porta certa, descobrirá em Cristo muito mais – é o
que eu digo: "muito mais" - do que um homem atormentado à busca de
uma eventual identidade com Deus, fugidia, e no fim das contas improvável;
descobrirá, pelo contrário, um ser eterno que pouco a pouco
adquire um conhecimento experimental da condição humana até a agonia da cruz e
ao grito dilacerante:
Meu Deus, meu Deus, por
que me abandonaste?
Este brado marca por
assim dizer, o fim da lição, o exato momento em que a Encarnação, abolida toda
e qualquer parcela de luz sobrenatural, se arremata no mais completo
despojamento.
Texto de André Frossard no livro: Deus em questões
Editora Quadrante - São Paulo, 1991; pg. 49
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